A vida é feita de ciclos e precisamos nos permitir algumas mudanças e encerramentos
Pessoas e vínculos não são para sempre. Uma frase tão óbvia quanto difícil de aceitar. Eu, você e tudo o que construímos possui um prazo de validade. Mas ainda que saibamos que nada é eterno, costumamos sofrer quando encaramos os finais, seja de um relacionamento, de um trabalho, de uma viagem ou de uma vida. A dor costuma ser grande quando perdemos algo ou alguém que não estávamos dispostos a deixar para trás.
No processo de coaching, sempre esbarramos de uma forma ou de outra com estes momentos na vida do profissional e precisamos olhar para estes fatos que muitas vezes nos prendem como amarras.
Não sou budista, mas gosto muito do conceito de impermanência que o budismo apresenta. Não sabemos o que nos acontecerá amanhã. A única certeza absoluta é que vivemos em ciclos. Quando temos 35 anos, a tendência é não reconhecermos quem éramos aos 25 ou aos 15. Mudamos e as pessoas ao nosso redor também. Querer manter nossas vidas e nossos universos fixos é triste e inócuo.
Quando ciclos terminam, normalmente sentimos um vazio interno. O tamanho desse vazio depende da situação e do impacto que ele tem sobre nós. Fins inesperados, como a morte prematura de alguém querido ou uma demissão inusitada, costumam ser choques maiores. Fins esperados, como o término de um curso no exterior ou a chegada da aposentadoria podem ser planejados e o vazio, amenizado. Porém, mesmo diante de fins “conhecidos”, nem todos se preparam. Se a situação presente estiver confortável, é fácil adiar o pensamento sobre o que virá a seguir. A tendência humana é agir como se o momento presente fosse eterno.
Senti esse temor em relação a um sobrinho que, recentemente, voltou ao Brasil após passar dois anos estudando na Europa, morando com um colega. Como seria esse retorno? Essa adaptação a um país em crise após um período feliz? Quando perguntei a ele, disse-me que a volta não tinha sido tão traumática quanto eu imaginava. “Acompanhei tudo o que estava acontecendo no Brasil, sabia como estava a economia e a universidade e não me iludi sobre o que encontraria aqui”, me contou. O pé no chão o ajudou a encerrar o ciclo no exterior.
Os vazios que sentimos têm relação direta com os papéis que representamos na sociedade e que, a cada fim de ciclo, deixamos de interpretar. Imagine que, ontem, você era o CEO de uma grande empresa, marido de alguém que amava, dono de uma casa na praia e de um carro importado. E, de repente, por algum motivo fora de seu controle, deixa de ter algum – ou alguns – desses títulos. Ao perdermos papéis que nos qualificam, muitas vezes, perdemos também o rumo.
O que considero um problema é viver sempre em busca de qualificações externas – ou seja, dependendo daquilo que não depende de você. Estar atrás de um emprego melhor, uma mulher melhor, de um carro melhor, de uma casa melhor. Essa é uma corrida infindável, porque, mesmo que consiga suprir os desejos que vão surgindo, provavelmente um dia tudo isso perderá o sentido. E aí nos deparamos com o vazio do lado de dentro.
É muito comum as pessoas não se darem conta disso até o momento em que vivem uma situação limite, como uma doença grave. Quando o sofrimento acaba, passam a refletir: “Por que eu quero um carro do ano? Para que eu trabalho 12 horas por dia e não vejo meus filhos?”. A relação custo-benefício pode ganhar novas perspectivas.
O que poderia, então, completar esse buraco que cresce dentro de nós? Se as conquistas externas não têm o poder de nos satisfazer por completo?
O que costumo sugerir aos meus pacientes é uma reflexão profunda sobre o que os move. Por que você levanta da cama de manhã? Não é um exercício simples – e, por isso mesmo, muitas pessoas procuram auxílio para atravessar momentos de mudança.
Acredito que cada um deva cultivar o hábito de olhar ao redor, ouvir e arriscar, em vez de apenas se deixar levar pelos acontecimentos. É como a história dos pintinhos na granja. Todos eles comem milho. Alguns, além de comer, levantam a cabeça e olham em volta. Esses são diferentes, não estão somente disputando o milho para sobreviver. Querem ir além.
Esconder (a começar, de si mesmo) o sofrimento causado pelo vazio também não é uma saída eficaz. Não dá para fazer isso para sempre. Em algum momento, o mal-estar sairá do esconderijo, gritando. A psicologia incentiva as pessoas a viverem seu sofrimento, e o divide em algumas fases, pelas quais a maioria das pessoas passa, nesta ordem: culpar alguém pelo fim, seja ele mesmo ou o outro; resistir ao término; negar a realidade, criando fantasias; ter dificuldade para ver sentido na vida; e, finalmente, uma fase de levantar a cabeça e dizer: “Bom, aconteceu, sofri, mas e agora? Vou começar tudo de novo”.
Depois dessa experiência de altos e baixos, vale fazer um balanço do que sobrou da experiência em você: boas lembranças, mágoas, ensinamentos? Mas a ideia não é remoer o passado com amargura e culpa. O exercício é avaliar o que aconteceu, o que poderia ter sido feito melhor, sem culpa. É a partir dessa autoavaliação que se pode extrair aprendizados e perceber o que sobrou, o que formará essa nova pessoa, agora pronta para outros ciclos.
Alguns dizem que o tempo é o melhor remédio. Eu discordo. Para mim, o tempo pode ajudar muito, mas a consciência é o melhor remédio. O tempo permite que você se distancie daquela situação, que ganhe outras perspectivas do todo. Mas ter consciência é mais que isso. É tomar as rédeas da situação.
Minha sugestão é que, depois de uma ruptura, dê-se o tempo necessário para viver a experiência. Pergunte-se: “Com o que me sobrou, o que posso fazer, experimentar e conhecer?” Existe todo um mundo ao redor de uma porta fechada. Mas só quem está de olhos e mente abertos pode percebê-lo.
Comentários