Desde criança aprendi que algumas emoções não são bem-vindas, outras são consideradas verdadeiramente maléficas, tratadas com menosprezo, preconceito e merecedoras de extinção. Passei muitos anos dedicada a aprimorar a capacidade de manifestar boas emoções e suprimir as demais. Imenso desafio, parecido com uma luta em que um lado tinha que ganhar e o outro perder. Tempos de vigilância crítica constante, pouquíssimo descanso e conquistas efêmeras.
Algo começou a mudar em minha relação com as emoções a partir do aprofundamento nas visões holísticas e transpessoais, na física quântica e em inúmeras outras abordagens não dualísticas, que foram gentilmente me convidando a vivenciar a interdependência existencial e o aspecto inerentemente neutro de todas as manifestações energéticas, incluindo a que denominamos “corpo”.
Desde então, algumas compreensões pessoais sobre emoções vêm sendo amigavelmente destiladas, incorporadas, aprofundadas e ampliadas em meu caminho de ser humano:
Emoções são a mais pura tradução da sabedoria do sistema corpo. Todas elas. Sem exceção. Manifestam habilidades prontamente disponíveis para atuarmos na realidade que se apresenta, momento a momento, de acordo com a “leitura” que nossa corporificação consegue fazer dessa realidade. Sendo tão rápido, pode ser que se engane, pois a percepção pode estar viciada ou distorcida por interpretações baseadas em esquemas prévios, cuja pertinência também está vinculada a mecanismos mais potentes de interpretações da realidade. Tudo isso em ação para nos propiciar as melhores condições de atuarmos habilmente em determinado contexto relacional.
As emoções são as configurações energéticas mais prontamente disponibilizadas em nosso corpo, já nos ensinava Gurdjieff. Segundo ele, emoções são 30 mil vezes mais rápidas do que os processos motores, que por sua vez são 30 mil vezes mais rápidos do que os processos mentais. Elas configuram o “clima”, de acordo com o qual todo o corpo se move em sintonia e só posteriormente, pensa sobre – fase em que o pico da emoção inicial já cedeu e se transformou, permitindo mais espaço para o trânsito de aspectos mentais.
Há infinitas configurações emocionais para nossas ações e o corpo capta sensivelmente, à velocidade da luz, aquela que necessita, disponibilizando-nos imediatamente os recursos que correspondem à configuração selecionada.
Desse modo, tudo pode ser considerado “verdade, bondade e beleza” nos sendo oferecido, em prol da nossa sobrevivência. O corpo SEMPRE procura atender, adequada e justamente, ao que interpreta que necessitamos. O espessamento da pele no calcanhar vai surgindo devido ao uso constante de um sapato que atrita somente naquele lugar, daquele calcanhar. Se o atrito cessa, a pele naquele local vai retornando ao normal. Quando há um corte, o corpo imediatamente procura cicatrizar. É o conceito da “Gestalt”, de atuar sempre buscando completar uma forma, finalizar um processo, oferecer o que está sendo solicitado, na medida certa, no tempo certo, sem desistir jamais, até que considere concluído, quando então, a energia investida neste conjunto orquestrado de ações retorna límpida e disponível ao sistema do corpo, apta a assumir as novas configurações que vierem a ser demandadas.
RAIVA, nada mais é do que a detecção de uma contrariedade. Dependendo da dimensão dessa contrariedade, pode ir da chateação ao ódio assassino, mas sempre “fala” que não gostamos de algo que ocorreu, está ocorrendo ou poderá ocorrer. Um processo de aversão está atuante em nosso sistema corporal, que disponibiliza a quantidade de energia que corresponde exatamente à dimensão da contrariedade em questão.
A INVEJA, é reação pura e simples que nos energiza para que busquemos atingir melhores condições, tal como estamos percebendo que outros conseguiram. Há um experimento lindo demonstrando isso, feito com macaquinhos: está tudo bem enquanto os dois recebem pedaços de pepino mas quando um deles vê que o outro passou a receber uma uva e ele segue recebendo pepino, imediatamente se revolta e procura de todas as formas e com crescente intensidade obter sua uva. Puro instinto em ação, ou seja, o corpo procurando atender prontamente a uma demanda interpretada como justa e necessária.
O MEDO, tem a ver com uma contrariedade que também é interpretada como contendo uma possibilidade adicional de risco de vida, mesmo que simbólico …
São tantas variações de “climas emocionais” que o corpo nos disponibiliza … É muito belo e nutritivo tudo isso, se de fato cultivamos energia suficiente para mantermos uma qualidade de atenção que nos permita desfrutar da condição de testemunha da nossa vida, a fim de transitarmos pelas mais diversas situações com sensibilidade, interesse, abertura e senso integrativo – mesmo as mais desconfortáveis – em vez de sermos sequestrados pela força e rapidez com que determinadas emoções são capazes de nos arrebatar, tornando-nos reféns das potentes configurações energéticas do sistema nervoso autônomo, dedicado a preservar a vida.
Por sua instantânea ativação no corpo, o melhor modo de lidar com certas emoções é evitando que emerjam. Isso é viável por meio do cultivo de um estado de consciência que mantenha nossos centros energéticos em firme e suave equilíbrio. Uma vez que uma emoção é acionada, requer também força de presença consciente para que seja modificada, se de fato não procede ou não é benéfica. Nesse caso a reação fisiológica já foi demandada e um corpo-espírito fortalecido poderá optar conscientemente por não seguir esse caminho, mas necessitará de algum tempo para convocar e adequar a configuração fisiológica do corpo à nova condição emocional requerida.
Fisiologicamente é um refinado balanceamento entre o sistema nervoso autônomo simpático – que mobiliza as energias para ação: variações de correr, lutar, paralisar – e o parassimpático – que pacifica o corpo, buscando o retorno a um estado ideal de gasto mínimo de energia.
Na privilegiada condição de seres humanos, podemos reconhecer e refinar amigáveis parcerias com as inúmeras habilidades latentes que nos correspondem. No palco da vida, dentre tantas escolhas, podemos lutar ou dançar com a realidade que se desdobra sem cessar. Não há certo nem errado, há apenas consequências de nosso ser-estar no mundo, a serem compreendidas, incorporadas ou redirecionadas, considerando-se os contextos relacionais e emocionais em que ocorrem.
Nessa sinergia amorosamente sistêmica podemos verdadeiramente relaxar e descansar, confiantes na despretensiosa presença do Elã Vital que Somos, sempre disponível, neutramente apoiador e surpreendentemente criativo.
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