Recebemos estímulos diversos e constantes do mundo. Para manter a saúde mental, é preciso criar a não responsividade

No começo de 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o estudo Depression and other common mental disorders, com estimativas preocupantes para os brasileiros. Somos o país com a maior taxa de transtorno de ansiedade no mundo: estima-se que 9,3% da população (cerca de 18 milhões de pessoas) sofra com o problema. A média mundial é de 3,6%.

Não há apenas um fator para explicar os números do Brasil, mas o estilo de vida em grandes cidades está entre eles. O ambiente em que vivemos contribui para ficarmos cada vez mais ansiosos. Há dez anos, não éramos bombardeados por tantos estímulos, com tanta frequência. E-mails, redes sociais, televisões, celulares e a própria dinâmica acelerada dos centros urbanos e dos locais de trabalho fazem com que estejamos o tempo inteiro consumindo informação. Sem pausa.

Além de todas as informações à nossa volta, temos ainda o estímulo da nossa própria mente. Os pensamentos vêm e vão sem parar e são incontroláveis.

Se queremos experimentar alguma paz no dia a dia, é preciso aprender a filtrar esses estímulos e não responder a cada um deles. Por isso, hoje decidi falar sobre meditação, uma técnica que pode contribuir para a saúde mental e uma das alternativas para controlar a ansiedade. Eu pratico há cerca de 15 anos e recomendo a alguns pacientes. Aliás, é curioso que, ultimamente, muita gente use o termo mindfulness, que nada mais é do que uma nova proposta comercial para divulgar a meditação. É uma técnica que existe há milênios e que, recentemente, tornou-se mais popular por não estar vinculada a nenhuma religião ou crença.

A arte da não responsividade

A pessoa ansiosa (e quem não é pelo menos um pouco?) sofre com o que chamo de “pensamentos invasivos”: aqueles que surgem a qualquer momento e geram estresse. Você está no meio de uma reunião, quando de repente… “Ai, a planilha que não terminei!”, “a roupa que preciso trocar”, “a dieta que começa amanhã”, “os e-mails que não abri”. A cada pensamento como esse, o coração acelera e a mente faz um enorme desvio do momento presente.

Quem sofre com pensamentos invasivos (e quem não sofre nem que seja de vez em quando?) adoraria poder controlá-los, mas não existe fórmula mágica que os faça sumir e nunca mais voltar. O que a meditação faz é evitar que as ideias indesejadas tomem o controle da situação. Por exemplo, quando um balãozinho de pensamento “supermercado” aparece, você tem duas opções: agarrá-lo, começar a fazer a lista de compras e pensar na fila do caixa, ou deixá-lo passar, sem responder ao estímulo. A meditação ajuda a termos cada vez mais a segunda reação. Isso é a prática da não responsividade.

O pensamento existe, mas ele é como uma nuvem. Vai passar e outra tomará seu lugar. Não sou obrigado a fazer nada com o pensamento no momento em que ele aparece, tenho a opção de segui-lo ou não. A ideia é cuidar de uma tarefa de cada vez, sem nos tornarmos reféns dos pensamentos.

A não responsividade vai além da mente. Por que meditamos sentados, sem mexer o corpo? Justamente para treinar, também, a não responsividade corporal. Na meditação, a concentração é física e mental. Não vou coçar meu nariz, não vou fazer a lista do mercado, não vou reagir ao barulho do trânsito.

Cuidado com um mito: a meditação não dá resultado no curto prazo. Gosto de comparar com a higiene bucal. Você escova seus dentes todos os dias para ter uma boca limpa e sem cáries no longo prazo, não apenas para que seus dentes estejam brilhando amanhã. Meditação é hábito e disciplina.

Como começar?

Para quem nunca meditou, sugiro começar com meditação guiada ou com foco. Na guiada, uma voz orienta: “Relaxe… Respire fundo… Sinta o ar entrando nas narinas… Sinta o pulmão inflando com o ar…” e por aí vai. Na com foco, o praticante se concentra em um objeto ou em um mantra. Há alguns aplicativos e cursos que orientam iniciantes.

Em relação à posição, a mais tradicional é a lótus (“perna de índio”, com os dois pés para cima) ou a semilótus (apenas um dos pés para cima). Mas para nós, ocidentais, que não estamos acostumados, o importante é manter o cóccix um pouco levantado e os joelhos encostados no chão, na medida do possível. Isso criará um triângulo de firmeza, que cansa menos o corpo e não prejudica a coluna. Para quem tem problemas na coluna e não consegue ficar sentado no chão, outra posição que indico é sentar-se em uma cadeira, manter a coluna ereta e afastada do encosto, pés firmes no chão, mãos apoiadas na perna. A respiração deve ser calma, profunda e controlada.

Outra dica, para quem vai começar, é meditar de manhã ou à noite. Logo depois de acordar ou logo antes de dormir são momentos do dia em que a maioria das pessoas é dona do próprio tempo.

Quando eu comecei a meditar passei por todos os problemas que a maioria das pessoas passa: dores no corpo, sono e a sensação de que a cada minuto meus pensamentos eram ideias brilhantes. Parecia que minha mente queria me sabotar. Conforme fui praticando, a ansiedade diminuiu e entendi quais eram os melhores momentos para meditar.

A não responsividade passou a fazer mais sentido e a atuar na minha vida. Por exemplo, se me fecham no trânsito, não reajo no segundo seguinte xingando o motorista. É como se o corpo e a mente demorassem alguns microssegundos para responder, e a resposta vem mais calma – e eu tenho mais comando sobre ela.

Certa vez, li um monge tibetano, que dizia ter “mente de macaco”. A comparação era com os primatas que aparecem em documentários ao estilo Animal Planet ou National Geographic, que pulam ininterruptamente de galho em galho em densas florestas. Cada pensamento é um macaco, pulando o tempo inteiro. Uma opção é brigar com a mente. A outra é aceitá-la e meditar, observando os pensamentos de passagem, sem acompanhá-los.