Relações pessoais e de trabalho, durante sua vida toda, dependem da comunicação. Como está a sua?
Como seria a vida se não conversássemos uns com os outros? Bom, talvez não muito diferente do que tem sido. Afinal, muitas vezes o que chamamos de diálogo é, na verdade, a junção de dois (ou mais) monólogos. Quantas vezes já fizemos um pedido para alguém e o resultado não foi o que esperávamos? Quantas vezes brigamos por horas e, de repente, já nem sabíamos mais por quê? Quantas vezes refizemos um trabalho porque entendemos que deveria ser feito algo diferente do que nos pediram? Comunicação é mais do que transmissão de informação. Implica cuidar para que a mensagem seja compreendida. “A comunicação permite muitas versões diferentes de algo que está sendo dito”, afirma Jorge Neto, gentólogo, um especialista que combina seu conhecimento como ex-executivo, coach, psicólogo clínico e consultor sistêmico em atendimentos individuais. “Como não existe uma verdade objetiva, cada um interpreta a sua”.
Segundo Rafael Grohmann, professor de Teorias da Comunicação da ECA-USP e do FIAM-FAAM, a capacidade de escuta não é comum. Isso porque vivemos “em um mundo repleto de informações que tornam a comunicação rara”. O excesso de informação que caracteriza nossa experiência atualmente não é garantia de troca entre as pessoas. Podemos apenas despejar informações sem sermos ouvidos e sem escutar o que é dito pelo outro.
Para se comunicar de maneira eficaz, porém, não basta falar com propriedade e clareza. É preciso também monitorar a sua “audiência”. “O comunicador deve se certificar de que as pessoas estão entendendo o que ele diz, que estão acompanhando o raciocínio”, afirma Jorge Neto. Uma forma do se certificar de que o ouvinte está envolvido na comunicação é perguntar de tempos em tempos, durante a conversa: “Me ajuda a ver se estou conseguindo lhe passar o que eu queria? Como você está entendendo o que estou dizendo até agora?”. Segundo Jorge, estas questões levam a pessoa a resumir o seu entendimento sobre o que foi apresentado, de maneira sutil e respeitosa, sem que se sinta testada. “As respostas esclarecem ao comunicador se ele foi ou não eficiente em sua comunicação”.
Estar atento à escuta do interlocutor, por sua vez, exige sensibilidade de quem fala. Passa pela capacidade de criar empatia, isto é, colocar-se no lugar do outro para entender a sua perspectiva. Mas não é essa a dinâmica que comumente se vê no ambiente corporativo. “Do político ao executivo, eles preparam seus discursos, falam, ao final, todos batem palma e se o público entendeu, é como se tivesse a obrigação de ter entendido”, afirma Jorge. “O que trabalho com meus clientes e pacientes é que a boa comunicação não é assim. O comunicador responsável quer comprometimento de quem está em volta. Ele não só fala, como se certifica de que os outros estão entendendo, acompanhando seu raciocínio”.
Ivan Petrini, sócio da Pyxis Desenvolvimento Humano, consultoria na área de gestão de pessoas, concorda que cabe ao “emissor” buscar a melhor forma de conversar com o “receptor”. “Há pessoas muito sensíveis e outras que são lógicas. Se eu dou um feedback duro para o lógico, ele recebe numa boa. Se eu faço uma crítica mesmo que leve para o sensível, ele tende a desanimar”, diz. De acordo com Ivan, é preciso aprender a “ler” o outro, perceber como ele funciona e, a partir dessa observação, escolher a melhor maneira de se comunicar.
Uma conversa entre pessoas que não se entendem não é comunicação. Pior: é não-comunicação. Para evitar o desencontro de ideias, o consultor Ivan sugere que se dedique um tempo ao alinhamento de referências. Ele também conta que com frequência encontra falhas de comunicação nas empresas para as quais presta serviço. Ele atribui a falta de atenção deste tema a uma hierarquização exacerbada no organograma das empresas. “Funcionários têm medo de falar com o chefe, não sabem qual será a reação dele, têm medo de repressão e de demissão”.
Garantir que alguém entenderá exatamente o que se quer dizer é uma missão impossível. As pessoas veem o mundo com suas lentes, construídas por meio de sua bagagem e vivência, experiências de vida que são únicas. Ao falar de um boné, por exemplo, alguém pode imaginar um acessório apertado, feio e vermelho – como aquele que ele tinha na infância. Outro, porém, pode imaginar um boné de aba reta, muito estiloso, como o de seu ídolo adolescente. Se quer que o interlocutor entenda de que tipo de boné está falando, é preciso ser específico – e se certificar de que o outro entendeu.
Só falo com quem concorda comigo
Outro tipo de não-comunicação, típica dos tempos atuais, é aquela ditada pelos algoritmos das redes sociais, configurados para mostrar mais assuntos relacionados ao nosso histórico de curtidas e menos àquilo de que não gostamos. A princípio, esse comportamento pode soar positivo, uma otimização de tempo. O efeito colateral, no entanto, é a “bolha”, como tem sido chamado esse fenômeno por sociólogos que estudam as interações na rede, como o espanhol Manuel Castells. Afinal, as pessoas podem bloquear todos que pensam diferente delas. Para Thomas Woelz, analista de comportamento e professor de psicologia da PUC, essa atitude barra o desenvolvimento da capacidade de olhar e de pensar nos interesses do outro. “Assim, bloqueamos também a empatia”.
Outra tentação da tecnologia é uma aceleração que pode diminuir a qualidade das relações. Para Rafael Grohmann, o professor de Teorias da Comunicação, a tecnologia permite aumentar a velocidade das conversas de maneira ineficaz: “Às vezes, você nem leu uma mensagem e já está respondendo.” Junto com o processo de aceleração, há uma não escuta. “A pessoa quer falar, falar, falar e realmente não escuta o que o outro está dizendo.”
Para Jorge Neto, o efeito positivo ou negativo da tecnologia é uma questão de escolha de cada um mais do que uma condição. “Com as facilidades da internet, podemos resolver assuntos triviais mais rapidamente e à distância e, quando encontramos as pessoas de quem gostamos podemos aproveitar o olho no olho de maneira mais prazerosa, melhorando a qualidade das relações. A tecnologia não mudou a forma de nos comunicarmos, apenas a deixou mais evidente.”
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